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23.7.13

Design e Antropologia:
Bate papo com Zoy Anastassakis



Este bate-papo aqui é especial por vários motivos, mas o melhor de todos é porque estamos trazendo um assunto que pode ser novidade para muitos de vocês. Vamos falar de design e antropologia. Isso mesmo, tem tudo haver :) Se você acha legal todo esse papo de pensamento do Design vai descobrir mais ainda e ninguém melhor para falar sobre o assunto do que a Zoy Anastassakis, referência quando se fala na interação entre as áreas do conhecimento do Design e da Antropologia. Pois é, sempre que conversava com alguém sobre o tema ouvia aquele comentário ou pergunta “Você conhece a Zoy? Você precisa conversar com ela.” Pois agora compartilho com cada um de vocês este bate-papo e todos passamos a conhecê-la juntos! Aproveitem este momento especial!

Um pequeno histórico da nossa entrevistada, que aliás vai estar no Ndesign Salvador 2013 - Designer (ESDI/UERJ). Mestre e Doutora em antropologia (PPGAS-Museu Nacional/UFRJ). Há vinte anos, atua como designer gráfica, cenógrafa, diretora de arte, pesquisadora/etnógrafa (Coca-Cola, Johnson & Johnson, Mapfre, Nokia, Omnicom, Polidesign, Renault, Tim etc) e consultora de design estratégico para inovação (MJV Tecnologia e Inovação, CRIA Global). Atualmente, é professora adjunta no Departamento de Artes e Design da PUC-Rio e na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI/UERJ), onde coordena o Laboratório de Design e Antropologia (projeto de pesquisa, parceria com o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ) e o Observatório Etnográfico de Design e Inovação Social no Rio de Janeiro (projeto de extensão). É professora convidada da Especialização em Design Estratégico da UNISINOS. Ufa... agora vamos ao que interessa...



1 - Quando e como surgiu seu interesse pelo Design? Como foram suas primeiras experiências na área?

Zoy - Meu pai e minha mãe tinham um escritório de arquitetura e urbanismo, sendo ele arquiteto/urbanismo e ela socióloga. Então, passei minha infância em meio a gente fazendo projeto, desenhando, visitando canteiros de obra. Quando criança, ficava horas admirando as embalagens dos produtos na mesa do café da manhã, na despensa, no supermercado. Cheguei até a colecionar embalagens de remédio, que achava lindas... Fazia papéis de carta, cartões postais, tudo desenhado, e trocava com minhas amigas por papéis de carta que elas compravam na papelaria.

Na época do vestibular, estava em dúvida entre lingüística e design, e, no último momento, acabei me decidindo pela segunda opção, não sei bem por quê. Prestei vestibular para a ESDI/UERJ e para a UFRJ. Passei nas duas, e escolhi a ESDI.

Logo no primeiro ano de faculdade, comecei a estagiar em uma produtora de ‘multimídia’, o que envolvia design gráfico, produção de vídeo e videografismo. Em seguida, fui trabalhar como assistente do artista plástico Jorge Barrão, na área de videografismo do programa Brasil Legal, apresentado pela Regina Casé, na TV Globo. Ali, viajei pelo país todo, comprando objetos e capturando imagens para montar as vinhetas do programa. Nestas duas primeiras experiências de trabalho, percebi a amplitude das possibilidades de atuação a partir do design. E, de forma indireta, entrei em contato também com a antropologia, uma vez que o Brasil Legal era fruto da parceria da Regina e de sua equipe com o antropólogo Hermano Vianna, que se formou no PPGAS-Museu Nacional/UFRJ, onde anos depois acabei fazendo mestrado e doutorado.




2- Quais são suas maiores influências no Design? Quais nomes do Design você admira?

Zoy - Antes de tudo, a influência é esse ‘design’ ou ‘comunicação visual que está no dia-a-dia, as letras na cidade, as cores, os espaços, a organização dos volumes, as formas, não só as construídas, mas a fluidez com que as ‘coisas’ se configuram em torno de nós. Isso é também o que nos forma, instigando nossa sensibilidade, nossa percepção de mundo. Só mais tarde vim a entender que o design, como disciplina, lidava sobretudo com isso.

Mas, se pensarmos no design como campo profissional específico, a maior influência, porque das primeiras e mais marcantes, foi a professora da ESDI, Silvia Steinberg, que me ensinou a cultivar, de forma consciente, uma sensibilidade, sempre crítica, para com o que vejo e onde estou. Depois dela, devo mencionar um outro professor na ESDI, João de Souza Leite, que me apresentou o livro “E Triunfo?”, compilação de textos do Aloisio Magalhães ‘gestor de política cultural’. De um modo muito profundo, a leitura desse livro, ainda na faculdade, me chamou atenção para a incontornável vinculação entre a prática profissional de design e os aspectos ‘sócio-culturais’.

No design gráfico, uma primeira grande influência no meu próprio trabalho, era o movimento punk do fim dos anos 1970, que de alguma forma se conecta ao dadaísmo, e à vanguarda russa do início do século XX.

Os trabalhos do Rogério Duarte também me impressionaram profundamente. Nos anos 1990, não havia como não ser fã do David Carson, e da sua revista Ray Gun. Nessa época, eu era vidrada em revistas e fanzines. Admiro também o trabalho do Jonathan Ive, na Apple, a Hella Jongerius e seu lindo trabalho com cerâmica, a marca japonesa Muji e a finlandesa Marimekko. Também sou fã do trabalho do Tonho (Quinta-Feira), dos jogos ‘políticos’ do Fabio Lopez, do Jum Nakao e do Ronaldo Fraga, e de toda a experimentação da galera da Matéria Brasil.

Me interessa hoje tudo o que acontece na Dinamarca, em termos de aproximação entre design e antropologia, e, aqui no Brasil, nessa área, admiro muito o trabalho desenvolvido no Maranhão, pela Raquel Noronha, também designer e antropóloga, bem como o trabalho da Fernanda Martins, no Pará.

Mais do que tudo, sempre me encanta acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos dos estudantes de design, e acho que temos hoje uma ótima geração de novos designers, que não só fazem coisas lindas, mas que tem experimentado novos modos de fazer design, de alguma forma reinventando o próprio mercado. Esse é um movimento que me interessa e que busco acompanhar, de perto.





3 - Conte um pouco sobre a sua trajetória profissional e o que a levou a especialização em Antropologia.

Zoy - Depois do Brasil Legal, passei a trabalhar com design gráfico e cenografia/direção de arte, nas áreas de música, publicidade, cinema, teatro e TV. Fiz muitas capas de disco, primeiro para meus amigos, que em sua grande maioria eram músicos, depois para outros artistas mais ‘estabelecidos’. Trabalhava com meu marido, que é musico e artista plástico, e com meu irmão, Philippe, designer como eu.

Terminei me cansando do pique tão intenso do trabalho com cenografia, e, nos deparamos com a crise da indústria fonográfica. Fiquei saturada também de trabalhar atendendo a ‘clientes’ e resolvi voltar a estudar.

Foi a Silvia Steinberg que me sugeriu a antropologia, e como eu tinha duas amigas fazendo mestrado no Museu Nacional, fui assistir a uma aula do Gilberto Velho e resolvi fazer a prova para o mestrado. Estudando sobre cultura material e políticas de patrimônio cultural, me deparei com a menção a Aloisio Magalhães. Foi em torno de seu trabalho de pesquisa e ação em política de patrimônio e cultura que organizei então minhas pesquisas de mestrado e doutorado, tentando entender como o design se associa às questões de cultura e sociedade.

Ao mesmo tempo, comecei a trabalhar com pesquisa, seja em arquivos, como no Paço Imperial, ou em uma pesquisa coordenada pelo meu orientador, Luiz Fernando Dias Duarte, seja como etnógrafa, em projetos de P&D, para empresas como Nokia, Johnson & Johnson, Nestlé, Coca-Cola, entre outras. Por conta desse tipo de trabalho, terminei por me aproximar de pessoas ligadas ao Politécnico de Milão, entrando em contato com a ideia de design estratégico. Em seguida, trabalhei por algum tempo como coordenadora de projetos de design para inovação em duas consultorias, MJV Tecnologia e Inovação e CRIA Global, onde aprendi imensamente.

Terminado o doutorado, decidi concentrar minha atuação em ensino e pesquisa, e hoje sou professora adjunta do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio e da ESDI/UERJ, onde coordeno o Laboratório de Design e Antropologia.





4 - Como você define essa interface entre Antropologia e Design e como o mercado (institucional e acadêmico) percebe esta nova área de estudo?

Zoy - Historicamente, observando a partir do ponto de vista do design, essa aproximação mais sistemática com a antropologia tem um lastro, que remonta pelo menos aos diálogos estabelecidos na área da ergonomia, entre os anos 1960 e 1970, bem como por toda a discussão sobre design e cultura, que explode ainda no final dos anos 1960, se ampliando ao longo da década seguinte. Mas esse movimento ganha novos contornos no início da década de 1980, com a contratação de antropólogos por empresas de design, o que segue acontecendo até hoje.

Daí em diante, há uma crescente apropriação da antropologia pelo design e, no meio disso, algo que me preocupa, que é uma instrumentalização da antropologia, entendida como ‘ferramenta’ para uma prática de projeto ‘centrada’ no ‘usuário’ ou, no melhor dos casos, no ‘ser humano’, formulações das quais tento sempre me desvencilhar. Até porque fazer projeto não é abrir uma caixa de ferramentas e a antropologia não é um simples ‘procedimento’ (de ‘tipo’ etnográfico) para acessar a alteridade.

Nesse sentido, tanto o mercado quanto a academia vem fazendo leituras muito operativas, e por vezes até comprometedoras, das possibilidades de interação entre design e antropologia, seja em termos dos resultados obtidos e mesmo em termos éticos.

Meu esforço, a partir da universidade, tem sido exatamente no sentido de explorar outras possibilidades de conjugação entre design e antropologia, de forma menos operativa e predatória, o que envolve perceber, através da prática, de que modos as duas áreas podem contribuir, uma em relação à outra.

Buscando explorar essas outras possíveis dimensões de intercâmbio, encontro rendimento nas proposições mais recentes do antropólogo Tim Ingold, e também na vertente dinamarquesa da área hoje já nomeada de ‘design anthropology’, que se expressa de forma mais interessante, a meu ver, no trabalho da Wendy Gunn, que, não por acaso, é ex-aluna e colaboradora do Ingold. Eles apontam inclusive para um outro lado da moeda, a saber, que se o design ‘tem a ganhar’ com uma aproximação com o antropologia, podemos pensar também de que modo a antropologia pode se deixar transformar por uma aproximação com o design.






5 - Qual conselho você daria aos interessados em estudar Antropologia associada ao Design? Quais seriam as leituras básicas das ciências sociais?

Conselho é difícil, né? Pra qualquer estudante, acho que o principal é ter curiosidade e espírito crítico. Com isso, é fácil ir buscando caminhos de aproximação com os temas que nos interessam. Mais considero que devemos sempre ter cuidado com as generalizações apressadas, e com essa ânsia que temos em sistematizar, organizar em caixinhas as coisas. Porque, como diz o Tim Ingold (em artigo publicado pela revista Horizontes Antropológicos, em 2012), a vida está sempre em aberto, e, assim, ela não apenas se recusa em ser contida: ela transborda.



Lendo seus textos "A antropologia do design: observações sobre as apropriações da prática antropológica pelo design hoje" e "Design e antropologia: desafios em busca de um diálogo promissor" temos uma boa referência de autores advindos da área do Design que podem auxiliar alguns estudos. Quais leituras ou autores, que unem as áreas da Antropologia e Design, seriam essenciais nesta nova área do pensamento do Design?


Como principais leituras para quem queira se aproximar do tema, sugiro toda a produção recente do Tim Ingold, e também os livros “Design Anthropology”, organizado pela Alison Clarke, em 2011, e “Design and Anthropology”, com organização de Wendy Gunn e Jared Donovan (2012). Em 2013, sai ainda uma segunda publicação da Gunn sobre o tema. Através desses livros, que são compilações de artigos, pode-se entrar em contato com outros autores que tem envolvimento direto com a área.

Em 2012, na Reunião Brasileira de Antropologia, em São Paulo, no P&D Design, em São Luiz do Maranhão, e no Encontro da Rede Latina de Design, em Belo Horizonte, apresentei trabalhos sobre o tema, todos disponíveis nos anais desses congressos.






6 – Onde seria, ou qual seria o caminho, adequado para a busca do conhecimento da antropologia para o designer que deseja se enveredar pelas ciências sociais como forma de aprofundamento de seu conhecimento? Pode nos dar referências de onde estudar (no Brasil e fora dele) e sites relevantes para os interessados em Antropologia do Design?

Zoy - Há alguns mestrados em ‘design anthropology’ ou que, com outros títulos, exploram as possibilidades de pesquisa e prática profissional entre design e antropologia. Destacam-se aí o centro de pesquisa “SPIRE”, da Universidade do Sul da Dinamarca, bem como os cursos de Swinburne, na Austrália, e de Aberdeen, na Escócia. Há outros cursos em Dundee, também na Escócia, na Universidade College London, Inglaterra, na Universidade do Norte do Texas e em Harvard, nos EUA. As ênfases são bastante distintas, e ano passado comecei a pesquisar os diversos modos com que a categoria ‘design anthropology’ vem sendo acionada nesses ambientes acadêmicos, porque quero entender melhor como essa história toda se desenrola, em meio a esse movimento de instituição de uma formação acadêmico-profissional na área.

De minha parte, venho já há algum tempo ensinando antropologia em cursos de design:

1) na Especialização em Design Estratégico da UNISINOS, no Rio Grande do Sul, onde dou aulas e oficinas sobre o tema, desde 2010.

2) na ESDI, a nível de pós-graduação, ministrei este semestre um curso chamado “Diálogos interdisciplinares entre design e antropologia”. Na graduação, tenho experimentado aplicar algumas das propostas do Ingold em sala de aula, fazendo exercícios que envolvem pesquisa de campo, exercícios imaginativos e prospectivos e representação visual. Na ESDI, acontece também um grupo de leitura sobre o tema.

3) na graduação em design da PUC, a partir do próximo semestre, ofereço uma eletiva de design e antropologia. A propósito, o curso da PUC tem uma tradição de trinta anos de prática de projeto construída a partir de experiências em campo. Lá, além da eletiva, acompanho os alunos da disciplina de projeto I em suas idas a campo, apresentando referências a partir das quais eles possam desenvolver, de forma mais consciente, o trabalho no campo.

4) meus orientandos de graduação, seja na ESDI ou na PUC-Rio, e de pós-graduação (PPDESDI), tem explorado de forma bastante intensa as interações entre design e antropologia. Afinal, no desenvolvimento de projetos de conclusão da graduação e de dissertações de mestrado, contamos com mais tempo, a partir de onde experimentar, com maior profundidade, algumas combinações entre os modos de prática e de produção de conhecimento do design e da antropologia.

Para dar seguimento a essas experimentações, foi criado na ESDI o Laboratório de Design e Antropologia, parceria minha com a designer Barbara Szaniecki, da ESDI, e a antropóloga Karina Kuschnir, do IFCS/UFRJ. Assim, espero contribuir de forma mais sistemática para as investigações na interface entre design e antropologia.

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DESIGN E ANTROPOLOGIA: considerações teóricas e experimentações práticas em diálogo com a perspectiva do antropólogo Tim Ingold - artigo da Zoy Anastassakis nos Anais do 11º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design de 2014

2 comentários:

  1. Excelente entrevista, e principalmente parabéns Zoy por desbravar corajosamente esta nova área do Design!

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  2. Linda, linda sua história, gigante Zoy. Amei de verdade. Gostaria muito, mas muito mesmo, que conhecesse a minha coleção de 17 modelos de carros em tamanho reduzido. São únicos, exclusivos, diferentes, pintados em metálico, rodas cromadas. Criei tambem 24 novas e inéditas tecnologias p/ automóveis. Algumas pode-se aplicar em carros já existentes e até em caminhões, aeronaves e residências etc. Um pouquinho pode ver em: carrosmaistecnologicos.blogspot.com.br Um grande abraço. Atenciosamente.

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